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Uma obra paranóica.


blog O cinema Sallva, junho 2022, Zero e Uns (EUA, 2021)

A transição dos anos 2020 tem sido um período profícuo para o diretor americano independente Abel Ferrara. De 2019 a 2022, ele realizou dois documentários e três longas de ficção sendo Zero e Uns (EUA, 2021) o mais recente deles.

Premiado como melhor direção no Festival de Locarno, Suíça, em 2021, Ferrara cria nessa obra a paranóia, uma espécie de emboscada apocalíptica. Um soldado americano chamado JJ, papel de Ethan Hawke, está em em missão secreta na Itália, onde percorre um mundo fechado por medos, incertezas, esquizofrenia e um final esperançoso.

O roteiro caminha sem rumo apresentando um homem em isolamento emocional, algumas citações transcendentais e cenas de explosão – toscas, é verdade –, mas que a meu ver coadunam com a estética do longa de quarentena pandêmica de Ferrara.

É um filme que pode levar sua paciência ao limite, mas em Ferrara há sempre algo lá, alguma genialidade inquieta e amordaçada, uma preocupação em combater algo. É um diretor confuso, incoerente, mas também estranhamente preocupado em entender a dor e a ansiedade de nossas vidas, como foi o caso de Vício Frenético (EUA, 1993), seu longa de maior sucesso de público e crítica.

Abaixo, eu escolhi quatro cenas de Zero e Uns para exemplificar a gramática audiovisual do filme. Tem um pouco de autoria, off, trucagem e underground. As cenas estão disponíveis em meu Twitter.


blog O cinema Sallva, junho 2022, Zero e Uns (EUA, 2021)

1) Neste prólogo de 1'23'' de duração, Ethan Hawke, ele mesmo, concede um depoimento de abertura. Ele diz admirar a filmografia de Ferrara e que interpretará dois papéis na presente obra. É uma apresentação "estranha", ambígua e semi-ficcional, típicas de filmes underground. Ao final do longa, Hawke surge novamente, no mesmo tom, para admitir que o argumento inicial era em busca de financiamento coletivo.


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2) Nesta sequência de 2'02" a autoria do diretor é expressa: o início com off enquanto vemos a imagem de Jesus Cristo, a câmera seguindo o personagem JJ (Hawke) numa igreja ao passo que ele conversa enigmaticamente com uma senhora e a luz natural, ou seja, a fotografia predominantemente escura.


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3) Nesta sequência de 1'36'' o soldado JJ está com uma câmera na mão. Ele enquadra uma mulher correndo, enquanto vemos a imagem desta câmera granulada e azulada, típico recurso de trucagem. Ele é surpreendido por uma mulher armada que surge atrás dele ordenando para que baixe as armas. Detalhe que a primeira reação de JJ é colocar no chão a máquina fotográfica que ele carrega, antes de se desarmar. Corta novamente para a imagem da câmera, a partir do chão, onde vemos a mesma trucagem a partir de outro ângulo.


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4) Nesta sequência de 1'25'' JJ opera um drone, cujas imagens aéreas mostram uma paisagem experimental, sombria e granulada. Ouvimos um off que profere a seguinte sentença: "O mundo é o abrigo de Deus. Sabe quem disse isso? Jesus. Para entender o que está além de você, é preciso usar o que está dentro de si.".


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Zero e Uns (EUA, 2021)

1h25min

roteiro e direção Abel Ferrara

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