Por que publiquei a entrevista com Ivo Meirelles 15 anos depois?
- Fabio Sallva
- 26 de mar.
- 6 min de leitura
Atualizado: 28 de mar.

Em 2011, fiz o roteiro e a direção do documentário Lobão – Não Há Estilo Sem Fracasso, resultado de meu TCC em Comunicação Social com Habilitação em Cinema na FAAP, em São Paulo.
Devido à duração de 15 minutos, que é comum para o formato de curta-metragem, grande parte do material bruto do filme ficou de fora, sobretudo, as entrevistas. Houve casos que sequer a imagem ou a fala de alguns entrevistados foram para o corte final. Ao todo, eu conversei com 15 pessoas entre músicos, produtores musicais, jornalistas e pessoas próximas a Lobão. Em média, cada encontro durou pelo menos 40', logo, já é de se imaginar o quanto de material do documentário ainda é inédito.

Em 2025, 15 anos após a produção do filme, eu decidi rever os arquivos e trabalhar na edição das entrevistas na íntegra – filmar em digital tem dessas vantagens. Eu já publiquei minha conversa com o jornalista Claudio Tognolli, em que nessa edição de meu blog eu explico o processo de pesquisa e temas abordados com ele.
A edição de entrevistas é um trabalho dedicado, que requer paciência para legendar. Ainda que hoje em dia tenhamos ferramentas úteis de IA para geração de legendas automáticas, faz-se necessário revisá-las, checá-las em relação a citações e corrigi-las. Há também o trabalho de destacar as legendas que são falas do entrevistado das minhas, como entrevistador. Eu sigo o padrão de legendas amarelas para o o entrevistado e de legendas brancas e em itálico para o entrevistador. Em média, levo cerca de 10' para legendar 5' de vídeo, o que dá uma proporção 2:1 de tempo, logo é preciso muita paciência.
Uma vez legendado, o vídeo ganha duas utilidades. A primeira é a de criar edições curtas e sucintas, eliminando respiros, digressões e vícios de linguagem do entrevistado que embarrigam o vídeo. Eu venho desenvolvendo cortes assim, no formato vertical, em meu Instagram. Segue abaixo um exemplo:
A outra possibilidade é transmitir a mensagem mesmo que o usuário decida assistir ao vídeo silenciado. É comum isso acontecer quando ele navega pelo feed, mas é também propício para ambientes barulhentos, nos quais as legendas ajudam a acompanhar o que está sendo dito ainda que não se possa escutar.

O meu encontro com o músico e compositor Ivo Meirelles aconteceu numa madrugada do dia 10 de novembro de 2010, na Pizzaria Guanabara, no Leblon, Rio de Janeiro. Você deve estar se perguntando por que de madruga e, ainda mais, por que gravaram dentro de uma pizzaria, certo?
Para a realização do documentário, nós precisamos de mais um uma núcleo de produção no Rio de Janeiro, já que toda a produção do filme estava em São Paulo. No Rio, o nosso cronograma era curto: apenas uma semana para entrevistar alguns nomes que considerarmos relevantes para o filme, entre os quais, Ivo Meirelles. Logo, corríamos contra o tempo e não havia brecha para imprevistos.
Era uma época ainda sem WhatsApp, então a intermediação com a assessoria dos artistas e a própria comunicação com o entrevistado dependia de confiança e assertividade até a última hora. Com o Ivo, por exemplo, tivemos uma relação com a assessoria dele de desconfiança e um certo descrédito. De última hora, por exemplo, eles cancelaram a gravação conosco alegando que Ivo agendara um compromisso no Morro da Mangueira. Pedimos o endereço à assessoria e corremos até o local tarde da noite. Se era uma época que não havia WhatsApp, muito menos tinha Waze e Uber. Minha equipe foi em dois táxis e a paúra foi grande. Quando chegamos ao local, que era um estúdio de gravação, encontramos Ivo liderando uma big band de percussionistas. Assim que o ensaio terminou, o que já se arrastava pela meia-noite, eu o abordei. Ele foi generoso comigo, aceitou gravar a conversa, desde que fosse na Pizzaria Guanabara, pois estava faminto. A caminho de lá, ele me ofereceu carona e fomos juntos no carro dele, enquanto minha equipe se virou de táxi. Não lembro ao certo o que conversamos durante o itinerário, mas essa ida juntos nos deu uma conexão e acho que foi crucial para o papo que gravaríamos a seguir.

Antes de iniciar a gravação, decido mostrar ao Ivo a "nossa bíblia", como é chamado o projeto de um filme. Em minhas abordagens, gosto de deixar tudo às claras em relação ao propósito e compromisso de realização do filme. Ele realmente parou para ler o livro, que entre muitas imagens e esquemas, tinha 160 páginas.

Ivo era importante para a nossa narrativa pela parceria que ele e Lobão iniciaram ainda nos anos 1980, se estendendo até 1995. Eles trabalharam juntos no disco Cuidado!, de 1988, depois, a convite de Lobão, Ivo levou a bateria da Mangueira para os shows de maior público do cantor: Hollywood Rock de 1990 e o Rock in Rio de 1991. Ivo também foi crucial para o disco que mudaria os rumos artísticos de Lobão, o Nostalgia da Modernidade, lançado em 1995, e que marca um breve flerte do compositor com a MPB, o samba e por outras levadas incomuns envolvendo guitarras.
Decido começar o nosso papo de maneira linear. Peço para Ivo contar quando conheceu Lobão e como a parceria entre eles começou. Para minha surpresa, a parceria musical de fato nasceu para o disco Cuidado!, mas Ivo e Lobão já se conheciam antes, porque Lobão queria tocar na bateria da Mangueira:
Depois peço para ele comentar o Nostalgia da Modernidade, disco de Lobão em que ele co-assinou oito músicas: "O Jogo Não Valeu", "A Flor do Vazio", "Coração Aberto", "Dilema" (uma de minhas favoritas do disco), "Eu Não Embarco Nessa Onda", "A Hora da Estrela", "Dé Dé Dé Dé Déu" e "Nostalgia da Modernidade". Para Ivo, embora não tenha sido um sucesso comercial, o disco é de uma riqueza melódica e poética ímpar:
Ivo relembra aqui outras parcerias com Lobão. Uma delas foi para o disco O Inferno é Fogo, de 1991. Eles compuseram juntos a música "Matou a Família e Foi ao Cinema" para o filme homônimo dirigido por Neville D'Almeida no mesmo ano. Aqui ele conta o processo de composição da música, que Lobão denominava como "um heavy metal sambado":
Ao abordar o Hollywood Rock de 1990, Ivo narra a importância desse evento para o amadurecimento pessoal dele enquanto músico. Foi a partir desses shows que ele engendra o Funk'n'Lata, banda que não é hoje reconhecida nacionalmente, mas que influenciou diversas outras bandas como o Monobloco.
Durante os ensaios para o Hollywood Rock, Ivo convida o percussionista Alcir Explosão para integrar a banda de Lobão. Na época, Alcir era mestre de bateria da Mangueira e sua história termina trágica em 1998. No ano seguinte, Lobão lança o disco A Vida é Doce e dedica a música "El Desdichado" a Alcir:
"Fiz pro Alcir (Explosão, ex-diretor de bateria da Mangueira) quando ele foi executado. Foi feita sob esse impacto. E me identificando muito, me autopsicografando nesta letra. E virou uma abertura por ser associada à minha trajetória. Eu gravei no ao vivo, pesadíssima. Agora experimentamos em Dó, no lugar de Ré, que era o tom original, e ficou mais pesada, soturna. Usei um violão de fibra de carbono, que tem mais sustentação das notas, e um violão dobro, bem Mississippi. Nos inspiramos muito no afrosamba, Baden Powell. É afrosamba com Mississippi."
Na recordação de Ivo, Lobão fez um show tão contagiante no Hollywood Rock que parecia ter inventado a micareta, que é o Carnaval fora de época. Ele também conta que o grande sucesso da época, Terence Trend Darby, assistiu ao show deles e ficou intimidado:
Como eles estreitaram a parceria após a prisão de Lobão, em 1987, por porte de drogas, era inevitável não perguntar ao Ivo Meirelles a relação de Lobão com as drogas e as atitudes junkie que marcaram os anos 1980:
Algo que não compreendi ao estudar a carreira de Ivo Meirelles foi o fim da parceria dele com Lobão. Houve alguma briga? O rompimento foi estritamente artístico? Ivo responde:
Voltando ao Funk'n'Lata, Ivo aborda aqui um certo ressentimento com a Bangalafumenga, cujo guitarrista houvera sido baixista da banda que Ivo Meirelles concebeu. O Banga experimentou sucesso artístico e comercial sem dar os devidos créditos ao Funk'n'Lata, fato que o revolta:
Por fim, um trecho que me arrependo de não ter adicionado ao corte final do documentário, que corroboraria o título "não há estilo sem fracasso". Ivo revela uma desavença com o diretor artístico da Sony Music, Jorge Davidson, que impôs uma condição para que Ivo Meirelles alcançasse sucesso comercial: fazer um estilo de música parecido com o Raça Negra, porém em carreira solo. Ivo declinou:
A entrevista na íntegra com Ivo Meirelles durou 37 minutos e está disponível em meu canal no YouTube:
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