O corpo é o primeiro e o mais natural objeto técnico do homem. A partir dele gera-se um ponto de vista sobre o mundo. Dentre as realidades exploradas pela imagem por meio dos veículos de comunicação, está o corpo. Da estética à biologia, da arte à tecnologia, do analógico ao digital, da moda ao comportamento, o corpo e suas variações têm sido foco de atenção, tais como: juventude, sexualidade, beleza, saúde, erotismo, performances, próteses e transplantes. O culto ao corpo gera a cultura do corpo e vice-versa. Falei sobre esse assunto no meu podcasyt O Cinema Sallva:
O cinema, como um dos produtos mais absorventes da indústria cultural, estabelece profícuo diálogo com a cultura. As múltiplas linguagens sonora, visual e verbal – que são próprias do cinema – permitem a análise do corpo feminino sob diferentes aspectos. Gestos, moda, silhuetas, maquiagem, comportamentos, padrões de beleza são signos, quais o cinema é um acelerador das transformações.
A cena do filme Instinto Selvagem (EUA, 1992), dirigido por Paul Verhoeven, em que Sharon Stone descruza as pernas e deixa-as levemente abertas aos policiais, foi considerada ousada pela crítica. Poucos anos depois, algumas atrizes e socialites foram flagradas por paparazzi também sem calcinhas em ambientes sociais.
No filme Babel (EUA, 2006), dirigido por Alejandro Iñarritu e indicado ao Oscar em 2007, uma adolescente (Rinko Kikuchi) repete a famosa cena supracitada, porém num contexto jovem.
A perspectiva histórica do pensamento sobre o corpo tem origem na Antiguidade. Os gregos pensavam o corpo como instrumento da alma e, no entrave entre ambos, a alma sempre saiu vencedora. O corpo era desprestigiado. Platão dizia que o descuido com o corpo pode aproximar-nos da morte, porque o cuidado com o corpo corrompe as boas intenções da alma. Aristóteles, no entanto, concebia o comando da alma sobre o corpo análogo ao marinheiro em comanda um navio.
Entre as heranças filosóficas que pensaram o corpo, é imprescindível citar Nietzsche. No fim do século XIX, ele contradisse a filosofia e brotou um ser soberano: o novo homem, o super-homem autônomo, não subjugado a nenhum poder, seja ele político ou religioso. Nietzsche traz para a filosofia a percepção do corpo. O eu – ser próprio – deve estar acima de qualquer poder sobrenatural.
Outro pensador do corpo foi Merleau-Ponty. Para ele a existência é "ser-no-mundo": o homem está no mundo e é no mundo que ele se conhece. Os pontos de intersecção entre a pessoa consigo mesma, a pessoa com seus semelhantes e a pessoa com os fenômenos do mundo vão formando no homem a consciência de mundo. Perceber e depois pensar.
A ruptura do pensamento clássico dual corpo/alma, que aparece com força em Nietzsche e Merleau-Ponty, é a abertura para as variações, as pluralidades, as multiplicidades de pontos de vista que podem ser abordados em estudos sobre o corpo.
As categorias listadas acima estão presentes no livro O Corpo no Cinema: Variações do Feminino, de Ana Mery Sehbe de Carli, que aborda o papel desempenhado pelo cinema ao trazer o corpo feminino para o primeiro plano da cultura.
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