Alfred Hitchcock (1899-1980) não foi apenas diretor, mas também produtor. Dos estúdios londrinos a Hollywood, ele fez de tudo: escreveu e desenhou letreiros de filmes mudos, foi assistente de direção, diretor de arte, roteirista, cenógrafo, figurante e diretor.
Em 54 anos de atividade, entre 1922 e 1976, ele dirigiu 53 longas-metragens. Começou no cinema mudo e teve de se adaptar ao falado; foi do preto-e-branco – a seu ver o mais adequado à linguagem visual do suspense – ao colorido, e ainda realizou experiências pioneiras com o tecnicolor (técnica de colorização dos filmes) e o 3D. Falamos sobre o cinema de Hitchcock no nosso podcast O Cinema Sallva, ouça abaixo:
O domínio dos meios e a orquestração do olhar capaz de capturar o espectador são os pontos essenciais no cinema de Hitchcock. Inovações como o jogo de planos e contraplanos, o uso do zoom, as técnicas do fade in e do fade out. Truques e efeitos visuais também marcaram o seu estilo.
Em Intriga Internacional (USA, 1959), um serviço americano de contra-espionagem precisa inventar um agente que não existe. Ele tem uma identidade, Kaplan, um apartamento num hotel, roupas, mas não tem existência concreta. Quando, por acaso e por engano, o publicitário Roger Thornhill (Cary Grant) é identificado por espiões como sendo esse Kaplan que procuram, não consegue de jeito nenhum se explicar diante dessa gente, muito menos diante da polícia. E viverá aventuras de todo tipo, perigosas e divertidas, antes de encontrar a felicidade ao lado de Eve Kendall (Eva Marie-Saint), a sedutora agente dupla.
Uma das cenas mais esvaziadas de qualquer verossimilhança e de qualquer significado é a do avião no deserto, que você pode assistir aqui. Típica ideia de diretor, pois na cabeça de um roteirista, uma cena absurda assim não seria capaz de fazer a ação avançar. No nosso Twitter, nós separamos o insólito diálogo entre Grant e um camponês, que nos dá uma dimensão do gosto de Hitchcock pelo absurso.
O enredo de Um Corpo que Cai (USA, 1958) apresenta Scotie (James Stewart), ex-inspetor afastado da polícia por ter propensão a sofrer de acrofobia, que é encarregado por um de seus velhos amigos de vigiar a mulher dele, Madeleine (Kim Novak), cujo estranho comportamento leva a temer-se um suicídio. Ele vigia a mulher, segue os passos dela, salva-a de um afogamento voluntário, apaixona-se por ela. Scotie, no entanto, não sabe que está sendo usado pelo amigo para um manobra macabra, que o colocará em diversas situações de vertigem.
O que mais interessou Hitchcock neste filme foi recriar uma mulher, a partir da imagem de uma falecida. A história aqui tem duas partes, cujo o ponto de virada você pode assistir aqui. A primeira vai até a morte de Madeleine, a queda do alto do campanário, e a segunda começa quando o protagonista encontra a moça morena, Judy, que parece Madeleine. Quanto Stewart encontra a moça morena, e tem início a segunda parte, Hitchcock propositalmente resolveu revelar a verdade imediatamente, mas só para espectador: Judy não é uma moça parecida com Madeleine, é a própria Madeleine.

Outra característica marcante de Hitchcock é a mise-en-scène: posições de câmera, gestos e olhares dos personagens. Esses atributos quase sempre são utilizados para revelar o fluxo subterrâneo de interesses e emoções, o que está além do que se expõe nos diálogos.
Em Disque M Para Matar (USA, 1954), um jogador de tênis pobretão (Ray Milland), temendo que sua esposa rica (Grace Kelly) o abandone por causa de um romancista americano (Robert Cummings), planeja matá-la para receber a herança. Recorrendo à chantagem, ele convence um aventureiro necessitado (Anthony Dawson) a estrangular a mulher em casa, na hora em que o tenista estará em companhia do rival. O crime está longe de ser perfeito: a moça, debatendo-se como uma alucinada, mata o agressor. O marido não ficaria aborrecido se ela fosse, simplesmente, enforcada, mas uma investigação policial complementar vai desmascará-lo.
O filme é uma adaptação do teatro para o cinema, a ação se passa numa sala e o roteiro é essencialmente calcado por diálogos. Sobre essas escolhas estéticas, Hitchcock propõe uma teoria sobre filmes adaptados de peças de teatro que sejam concentrados em um só lugar, pois a qualidade fundamental da peça reside em sua concentração. Por que ao transportar para filmes, a desintegramos?
Disque M Matar sai do cenário muito brevemente. Uma dessas saídas, ainda que claustrofóbica, é o julgamento de Grace Kelly, filmado com planos contra um fundo neutro, com luzes coloridas girando atrás dela. Você pode assistir à cena aqui.
Essas e outras curiosidades da filmografia de Alfred Hitchcock você pode encontrar no livro Hitchcock/Truffaut, publicado pela primeira vez no Brasil em 1986, com a 1ª reimpressão acima lançada em 2008 pela Companhia das Letras.
4 Filmes de Hitchcock

1. A Sombra de Uma Dúvida, Alfred Hitchcock (EUA, 1943)
2. Disque M Para Matar, Alfred Hitchcock (EUA, 1954)
3. Um Corpo Que Cai, Alfred Hitchcock (EUA, 1958)
4. Intriga Internacional, Alfred Hitchcock (EUA, 1959)