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Algo novo para os anos 1980.


blog O cinema Sallva, junho 2021, Cabra Marcado Para Morrer

Eduardo Coutinho iniciou sua carreira no cinema no Centro de Estudos Cinematográficos que havia em São Paulo nos anos 1950. Ele arranjou uma bolsa de estudos com o governo francês, onde fez o curso do Idhec (Institut des Hautes Études Cinématographiques) em 1958. Voltou ao Brasil em fim de 1960, quando teve uma experiência em teatro ligado ao CPC (Centro Popular de Cultura) paulista. No fim de 1961, ele mudou-se definitivamente para o Rio de Janeiro para ser gerente de produção em Cinco Vezes Favela – um filme feito pelo CPC da UNE (União Nacional dos Estudantes) e dirigido por cinco cineastas, entre eles Cacá Diegues e Leon Hirszman. A produção seguinte do CPC seria Cabra Marcado Para Morrer (BRA, 1984), filme para qual fez roteiro e direção.


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A obra seria baseada na vida do João Pedro Teixeira, um líder camponês das Ligas Camponesas e que morreu assassinado em abril de 1962. Coutinho queria fazer um filme sobre o Nordeste antes mesmo de conhecê-lo. O filme seria inspirado nos poemas de temática nordestina "Morte e Vida Severina" e "O Cão Sem Plumas", ambas de João Cabral de Melo Neto. O autor havia cedido os direitos, contudo, uma semana depois, atemorizado talvez pelo que naquela época se dizia do CPC, o autor desautorizou a licença e Coutinho ficou sem rumo. Ele foi obrigado, então, a mudar de ideia. Falei sobre o filme no meu podcast O Cinema Sallva:



Àquela altura, Coutinho pensou em filmar a vida de João Pedro Teixeira baseado em sua vida real a partir de documentos. O lomga teria um estilo semidocumentário com ficção, porém sem atores profissionais. O argumento foi aceito pela direção do CPC, que depois acertou uma coprodução com o MCP (Movimento de Cultura Popular) de Pernambuco. Em fevereiro de 1964, as filmagens começaram em Pernambuco e na Paraíba. As diárias ocorreriam em Sapé, local do crime, porém dias antes houvera um conflito de terras entre camponeses e capangas e a região ficou com um regime de vigilância militar, impossibilitando as filmagens. A produção transferiu as diárias para Vitória de Santo Antão e para o engenho Galiléia, onde havia condições não totalmente ideais, mas semelhantes àquelas de Sapé. Os atores eram todos camponeses da região, na maioria pessoas que moravam em Galiléia. A atriz principal era Elisabeth Teixeira, viúva de João Pedro, que fazia o seu próprio papel. O papel de João Pedro era feito por um homem do campo que morava num subúrbio de Vitória, escolhido depois de muita dificuldade.



As filmagens foram interrompidas um mês depois de iniciadas em virtude do Golpe de 1964. Houve prisões de pessoas da equipe – que depois foram soltas –, e todos os equipamentos técnicos foram apreendidos. Perdeu-se praticamente tudo: fotos still, versões dos roteiros, rolos de filmes etc. Um roteiro foi recuperado um ano depois, mas ainda não era o roteiro que fora corrigido in loco. Além disso, o filme já se diferenciava do roteiro, porque havia colaboração do linguajar local. Embora algumas sequências tenham sido rodadas, os diálogos não poderiam ser reconstituídos, pois foram gravados com som guia. Logo, o filme tornou-se impossível de finalizar e vivia de uma realidade que acabou em 31 de março de 1964.



Vinte anos depois, Coutinho previu voltar ao Cabra Marcado para Morrer fazendo o filme em dois meses, que seria o exato período de férias prolongas que conseguiria tirar na TV Globo, onde trabalhava desde 1975. O plano de filmagem era simples: reatar o contato com as pessoas, saber se elas estavam vivas, voltar para o Rio, pegar a equipe, regressar e filmar. E deu certo. O diretor voltou ao Rio com tudo filmado três dias antes de se completarem os dois meses. A sorte ajudou. Na primeira semana de filmagem, a equipe esteve em Galileia e foi possível reencontrar todas as pessoas. A primeira pessoa filmada foi Elizabeth Teixeira, sem aviso prévio. As gravações com ela duraram três dias e foram tão profícuas que Coutinho já sentia que seria um filme forte.


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Embora críticos classifiquem Cabra Marcado para Morrer como uma "boa reportagem", a obra tem uma força histórica, por ter sido feito em condições únicas e expostas na montagem. Era algo novo para os anos 1980, um filme que se mostra como é e como era anos antes. A importância do longa deve-se ao fato de ter uma história única.


O livro Eduardo Coutinho, editado por Milton Ohata, foi o meu material de pesquisa. A obra reúne dois ensaios, dez entrevistas e 39 textos escritos pelo diretor no Jornal do Brasil nos anos 1970.



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