O termo decupagem surgiu na década de 1910 com a padronização dos filmes. Decupar o roteiro significa dividi-lo em cenas, com o qual se estrutura um filme através de planos e sequências. Decupar, portanto, é o primeiro estágio de preparação do filme sobre o papel.
A decupagem é, antes de tudo, um instrumento de trabalho e serve de referência para a equipe técnica. Quando uma filmagem começa, a sobrecarga sensorial compromete a memória e o planejamento. Falei sobre esse assunto no meu podcast O Cinema Sallva:
A Febre do Rato (BRA, 2012), dirigido por Cláudio Assis, é um exemplo de filme bem decupado. Desde a escolha por filmar inteiramente em preto e branco – ausência cromática politicamente carregada – até a escolha por sequências sem cortes. Nos frames a seguir, escolhi um dos planos-sequência do longa.
O diretor Jonathan Demme era conhecido por usar planos subjetivos em cenas de diálogos. Ele empregou esse recurso no aclamado O Silêncio dos Inocentes (EUA, 1991) e em Filadélfia (EUA, 1993). Os frames abaixo, de O Silêncio dos Inocentes, ilustram o momento quando os personagens dialogam para a câmera – recurso que traz proximidade e emoção ao público.
As cenas iniciais de Náufrago (EUA, 2000), dirigido por Robert Zemeckis, são usadas para ambientar o dinamismo das entregas, local onde protagonista trabalha. Numa das sequências, a câmera é colocada em uma remessa – numa espécie de "plano subjetivo" do próprio objeto – seguida por uma elipse com o local de destino da entrega. O resultado é de um realismo ímpar.
Antes de decupar um roteiro, recorra a perguntas que ajudem a desenvolver uma estratégia de filmagem e edição para uma cena:
O que uma cena deve mostrar para identificar o ambiente satisfatoriamente?
A posição da câmera e a escolha de lentes podem alterar a percepção do espaço por parte da platéia.
Qual a significância do espaço entre personagens?
Uma mudança de distância entre dois personagens numa conversa, por exemplo, é um indício de quem está ganhando controle e de quem está retrocedendo.
Como você mostrará a movimentação de personagens?
A câmera pode ser estática ou acompanhar o personagem. Caso a câmera movimente, pergunte-se quando, por que e qual sensação esse movimento quer gerar.
Qual o ponto de vista (POV) global predomina na história?
Toda cena requer uma decisão de POV. Deve-se ter claro quando e por que o POV muda.
Quais são os campos de visão importantes na cena?
Eles motivam o que a público quer ver e, por isso, motivam o posicionamento de câmera a cada take.
As questões acima auxiliam no desenvolvimento da planta baixa, que é um recurso gráfico para ilustrar as intenções de marcação e ângulos de câmera. Uma representação gráfica é melhor do que uma simples lista de planos, pois mostra as intenções e o estado da encenação através de esquemas.
Acima um exemplo de planta baixa extraída do livro Direção de Cinema: Técnicas e Estética, de Michael Rabiger. O esquema é ilustrado em plongée absoluto do local, onde se passa a cena com letras do alfabeto designando o posicionamento de cada câmera.
O desenvolvimento de uma planta baixa e de um roteiro decupado é a maneira mais organizada e detalhada possível para planejar artisticamente a pré-produção de um filme.
4 Filmes Bem Decupados
1. O Silêncio dos Inocentes, Jonathan Demme (USA, 1991)
2. Náufrago, Robert Zemeckis (USA, 2000)
3. Febre do Rato, Cláudio Assis (BRA, 2012)
4. Moonlight: Sob a Luz do Luar, Barry Jenkins (USA, 2016)
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