Como entrevistar uma escritora?
- Fabio Sallva

- 30 de jul.
- 4 min de leitura
Atualizado: 14 de set.

No final de 2023, eu soube do livro Pequena Coreografia do Adeus, publicado pela Cia. das Letras dois anos antes, de uma maneira particular: minha companheira e eu temos o hábito de ler na cama antes de nos deitar e, por muitas noites, eu a via em êxtase lendo esse livro. Aquilo me despertou um interesse genuíno e resolvi lê-lo também.
A obra é visualmente marcante, pois embora tenha 264 páginas, há diversas páginas quase em branco ora com poucas frases ou apenas palavras. É uma diagramação peculiar, lúdica e que flerta com o design gráfico.

Em janeiro de 2024, terminada a leitura do livro, fui atrás de saber quem é Aline Bei. Recorri ao programa Provoca, da TV Cultura, onde a autora foi uma das convidadas. Foi lá que eu soube que ela se formara em teatro na Escola Célia Helena, em São Paulo, aos 19 anos. Há passagens belíssimas nesse programa:
"Infância é um grande acontecimento do corpo, que tem pouca linguagem para dar conta disso. Depois, crescemos e passamos a entender a infância. Escrever é voltar para infância".
"O único modo de estar vivo é o amor. Não há outro pacto possível que não seja com afeto".
Em um dado momento, Aline fala da importância da Internet na carreira dela como escritora, de como as redes sociais são a ferramenta de encontro e da possibilidade de diminuir distâncias. Foi então, que me ocorreu escrever um e-mail e convidá-la para o How You Look, em que eu e o fotógrafo Rodrigo Erib entrevistamos pessoas para falar sobre a vida em São Paulo. Desde de 2024, nosso enfoque são em conversas com escritores em livrarias da capital paulistana.
A Aline respondeu rapidamente o e-mail e de forma positiva. Combinamos uma data de gravação, em março, na Livraria Simples, em São Paulo, local que ela mesmo sugeriu. Até lá, me preparei para uma pauta que pudesse fluir apenas sobre o livro Pequena Coreografia do Adeus.

A entrevista foi rodada o tempo todo sentado. Posicionamos a câmera num tripé, enquanto rodamos takes alternativos do celular. Para a captação sonora, eu utilizei o gravador Sound Devices MixPre-3 II, um sistema de lapela sem fio Sony UWP-D16 e um microfone direcional MKH 416 Sennheiser. Além da segurança de captar duas bandas sonoras ao mesmo tempo – caso uma delas tenha problemas de captação – eu gosto de editar e mixar entrevistas misturando o som do lapela, que é um microfone seco e agudo, com um direcional, que tem mais ambientação e apresenta uma gama maior de frequências baixas.
Como se trata de um livro visualmente marcante, decidi iniciar a entrevista perguntando onde Aline diagramou o livro: no computador ou num manuscrito em papel?
A obra apresenta o uso recorrente de letras minúsculas após pontuações. Quis saber mais sobre esse processo de escrita dela, que viola, digamos assim, as normas ortográficas:
O título do livro aparece na página 98 e nasce de uma metáfora vendo o trabalho de uma máquina de lavar: “se enlaçam e se soltam em uma pequena coreografia do adeus”. Perguntei a Aline se o título da obra nasceu daí:
Na página 26, quando a protagonista Júlia cria um diário pessoal, surge o nome completo da personagem: Júlia Manjuba Terra. Depois, na página 153, a passagem da infância para a juventude tem uma bonita metáfora do abraço que a mãe de Júlia dá em sua filha e o cabelo volumoso dela dentro da boca da Júlia "feito terra". Perguntei à autora de onde brotou esse sobrenome "Manjuba Terra":
Na página 59, há uma parte bem escatológica, quiçá, a única de toda a obra: "levantava da surra, me trancava, no banheiro, passava o dedo, por dentro da bunda bem no meio e cheirava, cheirava até o medo passar”. Indaguei a Aline de partiu essa inspiração:
Na página 130, a Madame, professora de dança de Júlia, profere: “o Artista não é quem explode por dentro, isso pode acontecer com toda e qualquer pessoa; só é Artista quem Entrega”. Depois, na página 270, Peixoto escreve para Júlia: “Sabe, minha querida, para se tornar um escritor (ou um artista) a devoção é o ingrediente fundamental. Além da paciência, é claro, mas há camadas de paciência na palavra devoção. Saiba que os artistas têm as horas a seu favor, eles não sentem solidão quando estão criando”. Perguntei a Aline se essa parte do livro não seria uma autoficção:
O pai de Júlia fala sobre carreira profissional na página 214: “eu sei, filha. mas é o que você quer fazer por toda a vida. não há problema algum se for (trabalhar no Café), mas não me entenda mal. também sei que é difícil pensar na vida toda sendo tão jovem, mas, em algum momento você precisa se fazer essa pergunta.” Quis saber se a escritora do livro também se faz essa pergunta:
Ao final da conversa, eu não resisti e pedi uma dedicatória. Ela gentilmente atendeu e flagrei esse instante:

Outro pedido meu, prontamente atendido por Aline, foi a leitura das páginas 249 e 250, que narra um encontro amoroso entre Júlia e Maurício. A autora que confidenciou que escreveu algumas página do Pequena Coreografia do Adeus ao som de Lou Reed, "Walk On the Wild Side". Subi a leitura em meu canal no YouTube:
A conversa completa com Aline Bei durou 30 minutos e está disponível abaixo:

