Central do Brasil (BRA, 1998), dirigido por Walter Salles, concorreu ao Oscar 1999 em duas categorias: Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz para Fernanda Montenegro, até hoje a única brasileira já indicada ao prêmio por uma atuação em língua portuguesa. Embora não tenha conquistado o Oscar, o filme recebeu diversas premiações como o BAFTA e o Globo de Ouro, ambos na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.
Central do Brasil é homônimo à estação central de trilhos do Rio de Janeiro. Cenário dos primeiros 20 minutos do longa, onde Isadora (Fernanda) escreve cartas para pessoas que não sabem escrever. O local trouxe realismo a diversas cenas. Na sequência inicial, por exemplo, quando pessoas aproximam-se de Isadora para que escreva cartas para elas, algumas delas são pessoas reais, que foram incorporadas propositalmente ao longa pelo diretor.
O filme marca a estreia de Vinícius de Oliveira no cinema. Até então engraxate, ele concorreu com outros 1.500 jovens atores para o papel de Josué.
Abaixo nós escolhemos quatro cenas de Central do Brasil para exemplificar a gramática audiovisual do filme. De nosso abecedário, nós citaremos decupagem, elipse, melodrama e plano-sequência. As cenas estão disponíveis no nosso Twitter e TikTok. Acompanhe-nos.
Nesta sequência de 1'14'' a decupagem é empregada para narrar uma tragédia. Vemos Josué (Vinícius de Oliveira) e a sua mãe, Ana (Soia Lira), de mãos dadas prontos para atravessar a rua. Diversos planos fechados são utilizados para carregar a tragédia que está por vir. Consumado o atropelamento, vemos a reação de diversas pessoas até Josué aproximar-se em estado de choque da mãe já falecida. A sequência ganha lirismo ao fim, quando vemos Isadora pegar do chão um lenço branco, conotando uma espécie de "jogar a toalha", expressão para dizer que a pessoa está desistindo de algo.
Nesta sequência de 49'' diversos planos abertos são utilizados na decupagem para mostrar um furto. Um jovem rouba um Walkman de um vendedor ambulante na Central do Brasil. Em seguida, ele corre enquanto a vítima do roubo grita por socorro. A polícia da estação de trem vai atrás do jovem até alcança-lo em um dos trilhos. O chefe da polícia aproxima-se vagarosamente do local e, então, os dois policiais atiram contra o jovem. A cena dos disparos é filmada de dois planos diferentes: o primeiro, americano, sem mostrar a vítima, e o segundo, geral, explorando o cenário. Após os disparos, temos um plano fechado do rosto de Isadora olhando para o lado – conotando que ela não só ouviu os tiros como também sabe quem atirou. No plano final, o chefe da polícia devolve o Walkman ao camelô.
Nesta cena de 1'17'' o melodrama é empregado numa situação vulnerável de Isadora. Ela cochila na poltrona do ônibus com uma garrafa etílica nos braços. Josué, entediado, pega a garrafa e bebe. Um insert noturno da estrada é usado como elipse. Volta para o ônibus, vemos a garrafa vazia e Josué no fundo do ônibus proferindo palavras ébrias. Os passageiros percebem que a criança está alcoolizada e Isadora o intervém.
Neste plano-sequência de 1'03'' a câmera faz um movimento panarômico para enquadrar Josué diante de uma imensa paisagem. Ele anda em direção a Isadora, que está sentada. Juntos eles contemplam a paisagem enquanto conversam. Isadora levanta-se de mãos dadas com Josué e uma nova panarômica é empregada para revelar a paisagem ao fundo do outro lado do quadro.
Central do Brasil (BRA, 1998)
1h50min
roteiro Marcos Bernstein, João Emanuel Carneiro e Walter Salles
direção Walter Salles