Um bom roteirista não é necessariamente um bom escritor. Escrever um roteiro é saber traduzir, com racionalidade e clareza, um pensamento visual. O único lugar onde é possível ser mais poético ou amalucar um pouco o roteiro é no diálogo. Por conta de diálogos ruins, boas histórias se perdem num relance.
A tecnologia hoje impactou diretamente no modo como os diálogos são filmados. Na televisão de baixa resolução, por exemplo, tinha-se de se apoiar nos diálogos e usar mais close, pela incapacidade de dizer através de um plano geral longo. Atualmente, as câmeras usadas para televisão são exatamente as mesmas do cinema, logo, é possível confiar e apostar nas imagens e no diálogo para contar uma história. Por um lado, diálogos passaram a conter mais significado do que a expressão no rosto dos atores, tornando desnecessária a aproximação da câmera; por outro, a televisão roubou o close para si, não por motivos estéticos ou filosóficos, mas pragmáticos: as telas pequenas exigem planos de perto. Eu falei mais sobre esse assunto no meu podcast O Cinema Sallva:
Em Loucos de Paixão (EUA, 1990), dirigido pelo mexicano Luis Mandoki, temos um conto de fadas amargo e melancólico sobre o relacionamento entre um judeu (James Spader) yuppie e bem-sucedido de 27 anos, e a garçonete (Susan Sarandon) de 43 anos, divorciada. Entre eles ruge uma paixão cheia de sexo, mas dificultada pelas diferenças social e cultural. Brigas cada vez mais intensas, incompreensões e intolerâncias marcam o casal. Ele sublima a inadequação cultural, mas ela sofre com essa inferioridade e reage com agressividade, até mesmo às pequenas questões. Numa delas em que ele, para protegê-la, omite certa circunstância, ela descobre e, furiosa, dispara:
Em Filadélfia (EUA, 1993), dirigido pelo saudoso Jonathan Demme, temos o advogado Joe Miller (Denzel Washington) com uma difícil causa para defender. Seu cliente, o também advogado Andrew Beckett (Tom Hanks), foi despedido uma poderosa firma de advocacia por discriminação sexual. Eles estão cientes que a causa é difícil e que o júri tem desconfiança de gays, contudo, Miller está motivado a representar Beckett por sua dignidade, honestidade e respeito. No tribunal, os debates não mostram tendência de qual será o veredito, dada a complexidade do caso:
Em Perto Demais (EUA, 2004), com direção de Mike Nichols, a yuppie americana Alice Ayres (Natalie Portman), sem destino, desembarca em Londres. Voluntariosa, confiante de si, ela perambula pelas ruas e ao atravessar a rua... Bum! Cai atropelada por um caminhão. Sem fraturas, mas semiconsciente, é socorrida pelo inglês Daniel Woolf (Jude Law) que a leva para o hospital ainda zonza. Lá, ela se refaz aos poucos. Daniel volta ao hospital e lhe pergunta:
Em Flores Partidas (EUA-FRA, 2005), dirigido por Jim Jarmusch, temos o cinquentão e solteiro convicto Don Johnston (Bill Murray), que recebe uma carta anônima informando ter um filho de 19 anos. Não há qualquer pista de quem enviou a carta. O vizinho de Don o incentiva a descobrir a identidade da mãe e, consequentemente, do filho desconhecido. Namorador que sempre foi, parte em viagem pelos Estados Unidos para reencontrar ex-namoradas. Uma delas é Laura (Sharon Stone). Ao bater em sua porta, é recebido pela filha dela, Lolita (Alexis Dziena), uma adolescente rebelde que se diverte em chocar as pessoas. Lolita convida Don a entrar e esperar por sua mãe. Laura chega e, entusiasmada com a inesperada visita, convida-o para o jantar. As duas, à mesa, perguntam a Don por que ele veio visitá-las, ao passo que ele responde e reitera o motivo no dia seguinte:
4 Filmes com Diálogos Inteligentes
1. Loucos de Paixão, Luis Mandoki (EUA, 1990)
2. Filadélfia, Jonathan Demme (EUA, 1993)
3. Perto Demais, Mike Nichols (EUA, 2004)
4. Flores Partidas, Jim Jarmusch (EUA-FRA, 2005)
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