Marighella (BRA, 2019), filme de estreia de Wagner Moura na direção, foi lançado oficialmente em 14 de abril de 2021, quatro anos depois do início das filmagens. Segundo Moura, o lançamento doméstico, incialmente planejado para 2019, foi adiado em virtude de sanções e boicotes do atual governo brasileiro.
Mano Brown, líder dos Racionais, foi a escolha inicial para estrelar o filme. Como Marighella era poeta, Moura via em Brown o nome mais adequado possível para interpretar o papel, por ser negro da favela, poeta com letras agressivas, ainda que não ator. Quando os ensaios começaram, Brown estava com a agenda lotada de shows dos Racionais, conflitando datas. Então, o personagem principal foi reformulado três semanas antes do início das filmagens e Seu Jorge foi escolhido para o papel principal.
Uma curiosidade: a pontuação do filme no site IMDb estava em um nível de cotação bem baixo – média de 2,8 de 10 – com milhares de votos antes mesmo de ser lançado, forçando o IMDb a suspender a votação do filme por algum tempo. Especula-se que a obra foi votada negativamente por razões políticas.
A seguir escolhemos quatro cenas de Marighella para ilustrar a gramática audiovisual empregada. De nosso abecedário, nós abordaremos plano-sequência, o uso de off e o realismo. Todas as cenas estão disponíveis no nosso Twitter @sallvafilmes. Acompanhe-nos por lá.
O filme é repleto de planos-sequência. Neste, com cerca de 50'' de duração, a câmera acompanha o personagem de costas. Ele é cercado por outros cinco garotos. Um deles aproxima-se e o encara, enquanto a câmera faz um movimento lateral enquadrando todos os figurantes em volta. A câmera aproxima-se por duas vezes no personagem-chave da cena, de modo que vejamos a reação que ele está prestes a cometer. Ele empurra o garoto que o encarou e a confusão é generalizada. Enquanto o personagem é empurrado pelos figurantes, a câmera, que neste momento é trepidante, acompanha o fluxo, até um senhor de chapéu surgir na cena e apartar a briga. Ele empurra o personagem para um eixo, enquanto esse senhor e os demais garotos ficam do outro lado do eixo. Neste momento, dois breves cortes acontecem: um plano lateral fechado no rosto do senhor de chapéu, e outro plano aberto do personagem, que sozinho, corre para o ponto de fuga do enquadramento, enquanto a câmera está imóvel.
O off é empregado em algumas situações do longa, como nesta sequência de 1'50'' de duração. Perceba que antes do off começar, um som diegético é empregado para conotar que a voz é disparada de algum tocador de fitas. Ao passo que ouvimos o off, uma trilha instrumental de fundo cria ambientação à sequência para elevar o drama e o estado de introspecção do personagem. Na mensagem final, o personagem olha para a câmera esboçando uma cumplicidade com o espectador.
Nesta cena, com duração de 1'32'', os quatro personagens estão distribuídos par a par em cada lado do eixo. A perspectiva enquadra em desfoque o altar da igreja ao fundo, ambiente da cena. O realismo empregado aqui é exposto através de falas naturalistas, da câmera na mão e dos cortes rápidos, que perfazem quatro. No primeiro, mais fechado nos atores de um lado do eixo, vemos uma alternância de foco quando os personagens falam. Ocorre o mesmo no segundo corte, com os atores do outro lado do eixo. A diferença é que um deles aproxima-se do eixo oposto e a câmera o acompanha mantendo o foco nos dois personagens. No último corte, a câmera movimenta-se entre os eixos e fica parada com foco no único personagem que não sai de cena.
Neste plano-sequência de 1'21'' de duração ocorre algo parecido com o outro trazido aqui: a câmera acompanha o personagem primeiro de costas, revelando o rosto dele com um movimento de câmera lateral. Perceba que mesmo estando de costas para o assunto, o personagem principal está o tempo todo em foco.
(BRA, 2019)
2h35min
direção Wagner Moura
roteiro Felipe Braga eWagner Moura